22/02/2014
1 mês e 12 dias
"Não foi nada. Deu saudade, só isso. De repente, me deu tanta saudade..."
— Caio Fernando Abreu
Olá Vôzinho,
já se passou esse tempo e você não imagina a dor que ainda é grande no meu coração. Todos os dias lembro de ti, olho nossa foto e agradeço a Deus por ter tido você comigo. Mas ainda é tão impossível aceitar que você não está aqui com a gente.
Os domingos são tristes, mas ainda são lindinhos com a presença da nossa vozinha.
Eu trocaria tudo pra voltar a época em que eu era a bonequinha do vovô, ao tempo em que descalça eu corria no corredor da sua casa pra te abraçar. Eu chegava na sua casa e ia direto correndo pro fundo te ver, casa cheia e eu só pensava em te ver, não que amasse menos as outras pessoas, mas era você, vô, que me fazia contar os minutos pra ver. No fundo da casa lá estava o senhor, as vezes na rede, as vezes montando alguma coisa. as vezes fazendo sabão. E eu deveria ser uma criança muito chata, toda vez pedia pra me contar como fazia sabão...e você contava, com todo amor do mundo, com um sorriso e tenho certeza que você sabia que eu não aprendera nunca!
E só depois de muito tempo que eu ia lá abraçar minha vózinha e cumprimentar o pessoal.
Depois do almoço pegava o radio e eu ia atrás do senhor deitar na rede e ouvir música. Sabia cantar todos os sertanejos, mas na verdade eu mais falava do que deixava você ouvir. Logo eu, que era quietinha e tímida.
Deitada, olhando pra gaiola do lorico, tentando fazer ele cantar comigo, ele não me dava moral nenhuma e você assoviava e ele cantava, eu mudava a música, repetia a outra, voltava para a primeira, pensava em uma nova e você sorria pra mim e não cansava. Eu e meu medo de por a mão no loro e no teu colo me encorajava, meu pai não tinha paciência, você tinha.
Coisas tão pequenas e bobas que guardo na memória. Era tudo tão simples, era tão feliz.
Lembro que os grandões iam brincar e eu ficava de lado, lógico, a mais nova sempre fica para trás, e você vinha e ficava brincando comigo. Me levantava pra pegar aquelas frutinhas na arvore, eles subiam na arvore e eu ficava morrendo de vontade, então, quando saiam você me colocava la e ficava me segurando, eu adorava e nem me importava com eles.
Íamos na horta, e ver o girassol que o senhor plantava para o loro. Eu no portãozinho e você longe sempre brigando com medo que eu fosse do outro lado e caísse pra rua debaixo que não tinha muro. E eu gritava que queria ir e você voltava e ia guiando meus passos entre as pedras e cascalhos para não me machucar. Então chegava no girassol. Altos e lindos. Você sempre gostou de flores, né, suas preferidas eram rosas. na frente da casa haviam varias no jardim, cuidadas e belas, e ai de quem se atrevesse a arranca-las.
Você saopaulino, influenciou a família toda, desde os filhos até os bisnetos. Eu, como uma rebelde, resolvi ser corinthiana, e por incrível que pareça fazíamos uma dupla perfeita no futebol. Conversávamos sobre futebol, você me explicava tudo, eu não entendia nada, seu time perdia eu corria te zuar, meu time ganhava e você ficava feliz por mim. Era muito amor. Eu te dizia que era corinthiano e escondia de todos, só não assumia pra não parecer perfeito demais. Me dizia que o único defeito que eu tinha era ser corinthiana e que um dia me veria saopaulina, me fazia rir e pedia que cumprisse essa promessa porque assim nunca morreria e viveria eternamente esperando o dia que eu mudasse de time.
Mas você partiu. E me deixou aqui, vô!
Não que seja culpa sua, jamais! Mas pra mim o mundo perdeu a cor, os dias não tem tanta graça.
Setembro. Seu aniversário... pra quem vou desejar 150 anos de vida? Pra quem vou dizer Te amo"?
Três dias depois, meu aniversário... A única pessoa que eu realmente esperava ligar era você...Acabou...
Não quero viver meu aniversário! Pela primeira vez na minha vida desejo que esse dia não chegue.
Está tão difícil sem você. Agora tem menos amor, tem gente resolvendo as coisas através de dinheiro, frio.
Tem a vovó que se faz de forte ( e diga se que foi muito forte diante dos acontecimentos), mas que está adoecendo sem ti.
Parece que estou a perdendo também, não suporto essa idéia, nem suporto vê-la assim. Ela me abraça tão gostoso, e me chama de "meu amor". E nela eu sinto que ainda te tenho, Mas seu silencio ainda me dói.
Sabe, vôzinho, vou te contar um segredo. Quando eu era pequena todos os dias antes de dormir eu sentava na cama pra rezar, e lógico bater um papo com Deus, e nesse papo com minha inocência infantil pedia a Deus que nunca te levasse e sempre pensava que no dia que você partisse todos poderiam partir juntos. Pensava em um acidente que levasse todos (eu não deveria ser muito normal da cabeça), mas pra que ninguém sofresse só se
o mundo inteiro morresse junto, e dormia sem achar a solução. E todos os dias eu pensava a mesma coisa. Eu não suportava a ideia que o senhor era o mais velho e consequentemente eu te perderia primeiro, era insuportavel imaginar, e nunca me acostumava com a ideia.
Fui crescendo e achei que Deus me prepararia para isso, e preparou. De pequenas formas que agora eu compreendo.
Aliás você não foi o primeiro que eu perdi. Primeiro o tio G., a quem chamava de pai, foi duro, mas a distancia me fez acalmar, depois o J., seu neto também, que não gosto nem de lembrar, foi triste a forma que vimos ele partir.Aliás se encontrá lo peça desculpa por mim, não pude ficar no enterro, era insuportavel aquilo e diga que o amo muito.Mas ainda assim eu convivia tão pouco com ele e fiquei mais assustada como tudo aconteceu e com a dor da minha tia que o tempo passou e nem vi.
Outras perdas me fizeram forte, pessoas de longe, historias tristes, testemunhos lindos, gente que eu admirava. Foi passando por mim, aprendi tanta coisa, sofri com os outros.
E ainda que eu não suportasse te perder, perdi.
Mas está tudo bem, vô, eu já entendi. Se o senhor aceitou, quem sou eu pra não aceitar?
Suas palavras no nosso penúltimo encontro ainda ecoam na minha cabeça.
"É, filha, vou vivendo enquanto Deus permitir, tem a medicina tem tudo, mas já estou velho e é Deus quem sabe o meu tempo, quando Ele mandar eu ir, eu vou.!"
A certeza que Deus não te deixou sofrer, me acalma. Deus permitiu que o senhor ficasse conosco até o ultimo minuto, são, consciente. Seu sofrimento cessou antes mesmo que você fosse parar no hospital, sofrendo numa cama sem poder ver todos, sem poder sair, sem poder comer (ô velhinho que comia, hein!).
Foi tudo tão rápido. 40 dias. Apenas esse tempo entre o dia que te colocaram um oxigênio portátil, até o dia da sua partida. Ninguém me falou da gravidade, e te ver andando, comendo, conversando me dava a certeza que a gente ainda tinha muito pra viver juntos.
Eu sabia a verdade, mas tentava me enganar. Você estava meio triste nesse tempo, eu sentia. O meu jovem avô (como o chamava) o dia todo sentado dentro de casa sem poder fazer nada, era o fim. Seu negocio era sair ir ao mercado, farmácia, pagar as contas, pegar ônibus pra um lado, pegar ônibus para o outro. Cuidar do dinheiro, administrar as contas, investimentos. Cuidar da vovó, cuidar da Land.
Aaaahhh, cuidar da vovó, ninguém faz isso tão bem quanto você, ninguém.
Você se foi e ninguém sabia qual remédio tinha que dar para ela. Nem ela sabia.
Injeção?? eita, como faz? Mesmo tremendo era você que aplicava. Sabia de cor o que fazer, quais que eram e como eram. E até alguem aprender levou dias, viu! Já pegaram remédio errado, já se perderam no horário, já confundiram tudo. Já se atrapalharam nas contas, mas não se preocupe, estamos aprendendo!
Estamos cuidando bem da vovó, claro que não é como você, mas com todo amor que podemos.
Aliás, eu prometo ser mais fiel quanto as idas em sua casa para vê-la. Aliás, no ultimo domingo ela me disse que eu estou sempre lá e que só falto quando fujo um pouco e viajo. Fiquei feliz com as palavras dela e com o abraço apertado que ela me deu. Abraço assim ela só meu no dia em que você partiu, quando fui me despedir dela.
O dia que você partiu. Como dói. As lembranças vivas daquele dia. Pior coisa que já me aconteceu, pior dia da minha vida, da minha história.
Sexta-feira, eu achando que era um dia normal, saí do trabalho e fui direto encontrar uma amiga. Sem hora pra voltar. Algumas horas depois ela quis ir numa loja, entrou no provador e eu sentei no lado de fora em um sofá. Tirei meu celular da bolsa, resolvi olhar minhas redes sociais, essas coisas de jovem, vô! Abri o tal Facebook, uma mensagem de uma amiga, era engraçado, ri e comecei a responder. O celular tocou. era meu tio. Logo imaginei, sexta-feira, la vem ele chamar a gente pra ir na praia de novo, certeza. Ahhh mero engano. Voz seria, estranhei, Perguntou se eu tava em casa, disse não, disse que ligaria la para falar com meus pais. Concordei. Desliguei.
Voltei para o facebook e a mensagem e o celular tocou de novo. Logo pensei "ele não tem o numero de casa", e era isso mesmo, passei o numero e então veio a pior frase que já ouvi na minha vida toda
"Não falei nada pra não te assustar, mas o vô faleceu."
Tudo cinza. Meu mundo desabou. Só consegui responder "Tá, liga la em casa, estou indo pra lá"
me vi andando de um lado pra outro dentro da loja, minha amiga não vinha, e me deparei com um homem me olhando assustado. Minha amiga apareceu, assustada. Gritei. Que desespero, vô, tinha que ser mentira, eu queria que fosse mentira.
Me disseram que meu vô partiu, meu amigão, meu avô.
Você, vô, você... Não podia ser.
Alguem me disse que metade do meu coração tinha morrido.
ninguém mais vai me amar como você me amou. Eu não vou mais tomar bronca da sua sobrinha porque você passava a semana toda com ela e no domingo largava tudo pra voltar correndo porque era dia de me ver. Acabou aquele sorriso feliz quando disse que fui a um acampamento de igreja. Não tem mais o "Tchau meu amor, vai com Deus", sem conversas na sacada, sem ninguém tentar me convencer de ser saopaulina, sem historias de futebol, sem ansiedades pelos domingos. Sem você!
Minha cabeça rodava, minha mente pedia a Deus que segurasse a vovó, que segurasse meu pai.
Correndo e com as palavras doce de minha amiga eu tentava voltar pra casa, nessas horas tudo da errado e o metro resolveu dar problemas, as pessoas me olhando me constrangiam e uma moça veio me perguntar se estava tudo bem, uma fofa.
Subi as escadas devagar, com medo. Entrei em casa e desabei tentei correr para meu quarto e meu pai me segurou. Não sei quem tava pior de nos 2.
Pior noite da minha vida, passei a noite debruçada na minha escrivaninha esperando a ligação que diria que eu já poderia ir ao seu velório. Adormeci de cansaço, Acordei com aquele silencio na casa, silencio no coração.
Fui te ver. Medo me tomava. Vi seus filhos de longe e comecei a andar devagar, como quem adia o momento de ver aquela cena. Fui atrás do meu pai e na porta comecei a chorar, meu pai me abraçou e nessa hora achei que ele ia cair. A única frase que saia de sua boca " o vovô, filha.. o vovô, filha" .
e eu pedia calma, tentava dizer a ele que agora o nosso velhinho descansava e não sofria mais. Depois senti um beijo da minha tia. Alguém me abraçou, não sei quem era, mas me disse "Calma, menina, o vozão ta bem."
Com minha mãe fui em sua direção, achei que ia desabar. Chegando perto vejo meu padrinho, um abraço forte, lagrimas sem fim, nenhuma palavra.Tentei aconchegá-lo. Entrei e quando te olhei, vô, perdi os sentidos. Você estava sorrindo, lindo, sereno. E o que achei que me desesperaria me deu paz. Agora sim, a certeza que você estava bem, descansando. Ao saber o acontecido me disseram que você sorriu antes de partir. Tinha que ser você meu vô fofo que conseguiu acalmar centenas de corações ao sorrir. Abracei a vovó. Tadinha, ali do seu lado perdidinha, mas calma, chorava parava, mas com a certeza que você estava bem, ela não aguentava te ver sofrer nos últimos dias. Não deve ser fácil perdeu o companheiro de 64 anos. companheiro que cuidava dela como ninguém, que a amava como ninguém!
Ali de pé do seu lado, te admirando, pedindo que descansasse, te fazendo carinho. Logo eu que nunca coloquei a mão em um morto estava ali, vendo o meu vô morto. Te acariciei, vô, queria que sentisse meu amor pela a ultima vez. Meu lindo. E meu coração se acalmava ao ver gente chegando, gente te agradecendo, te chamaram de pai sem ser seu filho. Você não tinha nada, e dava tudo pra ajudar o próximo. Você me ensinou o Amor. Te prometi que a bonequinha te faria companhia até o fim. Ali fiquei.
As vezes erguia a cabeça pra ver as pessoas. Vi lágrimas, sorrisos e vi encontros. E pela primeira vez vi seus 9 filhos unidos. Vi um família.
Senti abraços, vi desconhecidos. Abracei um primo distante, senti a dor dele junto da minha, o fiz chorar, tadinho.
Te beijei, beijei, beijei. Vi o caixão fechar. E aquele sorriso agora era só na minha memoria.
E você se foi, e você partiu. Segui ate o ultimo momento do teu lado.
Lembrei das palavras do meu tio que me dizia que o senhor me amava muito, que você trocava tudo por mim, parava tudo pra me ver, que me esperava todo o domingo, que um amor assim não se acaba.
Eu sorri e lembrei do ciumes que alguns tinham de mim, era engraçado só descobri depois de grande. Você era meu assim como era de todos.
Mas agora você partiu e deixou todos nós.
É triste não ter mais meu pescador favorito, não tem mais você me contando piadas, não tem mais rede.
Sua cara brava quando te contaram que cheguei 4h da manha em casa, sua advertência pra eu não aprontar. Suas palavras sobre Deus, sobre Jesus.
Mas estou feliz vô. Você me deu uma família, me ensinou o amor.
Tenho certeza que você daria a vida pela vovó, por um filho, por um neto...por mim!
Ninguém irá me amar como você me amou.
Não sei quando vou parar de chorar, mas sorriu com a alegria de ter tido o melhor vô do mundo.
(06/03/2014)
Desculpe Vôzinho, por não ter finalizado este texto, mas passei mal de tanto chorar e de saudades de ti. Não tive coragem de abrir e reler o que escrevi, mas aqui voltei para finaliza-lo e dizer que te amo eternamente.
Não vou reler o que escrevi, me perdoe se tiver erros gramaticais, mas é tão difícil falar de você sem chorar, sem perder o rumo.
Passei o feriado de carnaval com a vovó, em um lugar calmo e sereno. Ela ainda esta bem triste e adoecendo. Sente sua falta, companheirão.
Então. Vô, fique ai nos braços de Jesus de quem o senhor tanto me disse e é nEle que creio.
Não esqueça de dar o meu abraço e beijo no meu querido primo que está contigo.
Saudades imensas de vocês.
Obrigada por tudo.
Te amo para todo sempre!
Um beijo e um abraço beeeeeem apertado.
Com Amor,
Sua neta
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